Memórias de uma época - VII

20160402

Ao amanhecer

Dia de São Francisco de Paula
– padroeiro de Divinópolis

O eremita São Francisco de Paula começou a ser cultuado na passagem da Itapecerica pela filha do fazendeiro João Pimenta Ferreira, desde pequena. Maria Alves Ferreira foi depositária de uma estátua do santo, abandonada na “Ermida” e recolhida pelo capitão-do-mato Francisco Ferreira Fontes, quando a capela foi transformada em "gurita". [Anos depois, a guarita voltou a ser capela, de modo que, ao início do sec. XIX, ela foi desmontada e reconstruída na localidade chamada Lavapés, como capela de Santa Helena].

Como ninguém sabia que destino dar à imagem de um santo desconhecido, Maria a levou para seu quarto. Havia uma folha escrita com uma oração do santo, diferente das orações tradicionais, que sua mãe rezava com ela, todas as manhãs.
No silêncio desde dia que amanhece venho Te pedir a paz, a sabedoria e a força. Quero olhar hoje o mundo com os olhos cheios de amor, ser paciente, compreensivo, manso e prudente. Ver além das aparências Teus filhos como Tu mesmo os vê, e assim ver senão o bem em cada um.

Cerra meus ouvidos a toda calúnia, guarda minha língua de toda maldade, que só de bênçãos se encha o meu espírito. Que eu seja bondoso e alegre e que todos quantos se chegarem a mim sintam Tua presença. Reveste-me de Tua beleza, Senhor, e que no decurso deste dia eu Te revele a todos.
Depois disso, sucessivos eventos ocorreram na vida daquelas pessoas e mudaram para sempre a Passagem da Itapecerica. O fazendeiro mudou-se para Onça do Pitangui e abandonou suas terras na região - habitada pelos caiapó-canditeá (povo-da-cabeça-limpa-que-traz-fogo-na-mão) - em busca do conforto urbano para sua família.

Na mudança, a estátua foi esquecida entre os poucos móveis que ficaram no antigo lar, causando um grande descontentamento em Maria. Constantemente, sonhava com a estátua um sonho recorrente, indicando que esta não estava mais na casa da fazenda da Mata, pois aparecia em local diferente, próximo a uma passagem do rio, no alto do morro, jogada no chão entre pedras. Essa visão lhe causava sentimento de culpa e muito sofrimento, que a perseguiram alguns anos.

Certo dia, Maria, já moça, veio a conhecer o famoso sertanista Manoel Fernandes Teixeira, que se mudara para Pitangui, viúvo, com quatro filhos pequenos, e se casou com ele, dando-lhe depois mais oito.

O desejo de recuperar a estátua abandonada e a lembrança daquelas visões da adolescente motivaram Manoel a procurar a imagem nas imediações da “Itapecerica”, o que acabou acontecendo no local descrito por Maria. Quem a teria tirado de dentro da casa e jogado ali?

Impressionado com esse acontecimento, Manoel (que tinha entre suas habilidades a de “fabricar” casas e abrigos) decidiu construir a capela dedicada ao São Francisco de Paula com ajuda de moradores, depois consagrada também ao Espírito Santo, na formação da “paragem da Itapecerica”, em 1767. Nessa época, o romântico casal veio morar definitivamente no lugar, iniciando-se o povoamento.

Essa capela foi incendiada em 1830 e reconstruída em 1834, recebendo uma nova imagem do santo (foto acima), que hoje se encontra no Museu Sacro de Pitangui, por descuido da Diocese de Divinópolis.

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